Por Sérgio Aparecido Alfonso
Todo mundo odeia o Cris é uma série americana da vida de um garoto, que se passa na década de 1980 no bairro do Brooklin em Nova Iorque. Cris é um para raio de azar. Se algo vai dar errado, será com o Cris, ou ele estará no ambiente. Ele é o filho mais velho, mas não é o maior, nem o mais inteligente. Cris não tem o apreço das meninas. Mas atrai o ódio dos bandidos que fogem, dos que estão em condicional, dos que ainda não foram presos. Ele é a vítima de valentões da escola, estuda longe, e recebe marcação cerrada de todos. Ele não tem descanso, não tem a compreensão nem a compaixão dos adultos. Tudo recai em cima do Cris. Um dia ele tinha que vender biscoitos para o pai. Mas não tinha muito sucesso. Na primeira tentativa, vendeu uma caixa e teve duas caixas furtadas.
Ele então pensou que deveria arranjar uma estratégia. Foi quando se aproximou do Perigo, que é uma personagem de um camelô que vende qualquer coisa, adquirida de qualquer forma. Cris ofereceu o biscoito para o Perigo que disse: Eu não compro, eu vendo coisas. Em seguida, Perigo ofereceu um aparelho de som para o Cris, que obviamente não quis comprar. Quando então apareceu outra pessoa, para quem Perigo ofereceu o aparelho de som, sendo recusada a oferta, mas Perigo disse que o aparelho caiu do caminhão. Então, o cliente se interessou e comprou dois. Cris percebeu que não importava a qualidade e o preço do produto, desde que fosse oferecido com algum tipo de vantagem, ou que parecesse ser uma aquisição vantajosa.
Foi então que ele teve a ideia de usar o artifício da frase "Caiu do caminhão". O significado dessa frase era: O produto é roubado e custa mais barato por causa disso". Ele vendeu bem quando passou a dizer que o biscoito caiu do caminhão. Ninguém comprou do Cris porque gostava dele, porque queria ajudá-lo. As pessoas compravam porque viam a oportunidade de tirar algum tipo de proveito de uma situação aparentemente vantajosa. Elas não estavam interessadas no bem estar do Cris, sabiam que se ele fosse apanhado vendendo algo roubado acabaria preso. O que importava era o quanto poderiam ganhar com a situação. Ah, ele foi apanhado e foi preso.
Com a situação da pandemia do corona vírus percebe-se fenômeno semelhante. Não importa qual o tipo de enfermidade que a pessoa tenha. Ela não atrai a comiseração, a empatia, a misericórdia de quem quer que seja, exceto, dos seus entes queridos. Tudo o que importa nesse momento é a COVID-19 que é a doença causada pelo vírus da moda. As vítimas são destinatárias de minuto de silêncio antes do jogo de futebol, das sessões do Congresso, das sessões nos Tribunais Estaduais, Regionais, Superiores. Tem discursos políticos, estatísticas atualizadas diariamente na TV, luto oficial, reportagens com jornalistas fazendo vozes em tom solene e tudo o mais.
As pessoas estão tão apegadas às notícias, e tão envolvidas no marketing dessa doença que tudo gira em torno da pandemia, o vírus, a doença. É verdade que é muito triste morrer alguém de sua família com essa praga, porque você não pode velar em paz, seus familiares e amigos não podem se despedir, é tudo muito frio, muito exigente. Mas é igualmente triste ter outra doença. As pessoas não "compram" teu sofrimento. Por mais honesto que você seja na tua dor, não é covid-19, não interessa. Não dá vantagem. O leito de UTI é mais barato, a doença é comum, não tem prioridade, não atrai a atenção. Não tem proveito.
Na igreja só se pede oração pelos familiares que perderam alguém para a covid-19, na TV, só se fala das vítimas da covid-19. Os leitos de hospitais são para a covid-19. A UTI, para a covid-19. A vida parou, por causa da covid-19. É proibido se alegrar, por causa da covid-19. Até as festas cristãs são suprimidas, por causa da covid-19. Por causa dessa doença se aceita tudo: Máscara, limpeza exagerada das mãos, prejudicando a produção de defesas naturais, afastamento de pai e mãe, e demais familiares. Se bem que para uns, essas medidas de afastamento são desculpas para por em prática a rejeição que sempre habitou o coração das pessoas, mas agora pode ser feito sem peso na consciência. Mas se a mãe telefonar e disser que pegou covid-19, ah, o amor volta na hora.
E assim, a covid-19 é o biscoito que caiu do caminhão. Se você encontrar uma pessoa com dificuldade de caminhar, andando um pouco e parando para recompor a respiração, pode ser que ela tenha uma válvula do coração parada, então, acumula água no pulmão, o que dificulta a respiração. Uma pessoa adepta da covid-19, ao saber da real doença, virá até a amaldiçoar os familiares do doente, e vai chamar a atenção do paciente, com tom de braveza, dizendo: Mas você não deveria sair por aí nesse estado; Quer morrer? Porém, se o enfermo usar a estratégia "caiu do caminhão" vai atrair a atenção para si. É só dizer: "Me curei há poucos dias do corona vírus, minha dificuldade de caminhar se dá em função de sequelas da covid-19". Sabe o que pode ocorrer? A pessoa vai se oferecer para acompanhar o enfermo em recuperação durante a caminhada. Isso traz vantagens, dá algum proveito, dá até uma selfie. Se compadecer ou exaltar coisas da covid-19 dá status social.
E por falar em Cris, não o da série, mas da vida real, se você fizer uma rápida pesquisa na internet vai encontrar muitos deles com muitos problemas de saúde, ou vítimas de acidentes de trânsito, latrocínio, ou simplesmente homicídio comum. Mas eles são invisíveis, como o Cristiano da Silva, 48 anos garçom na cidade de Arapiraca-AL, num restaurante chamado Escritório Comedoria. (https://arapiraca.7segundos.com.br/noticias/2020/06/03/150913-garcom-do-escritorio-comedoria-cristiano-da-silva-falece-em-arapiraca). No círculo íntimo de amizade para alguém ele era o Cris.
Ele sofreu um acidente de trânsito, foi parar no hospital, passou por cirurgia, mas não resistiu, e em 03 de junho de 2020 foi a óbito. Não teve minuto de silêncio, luto oficial, discurso na Câmara de Vereadores, não teve comoção nacional. Mas se dissessem que ele contraiu covid-19 no hospital, então ele teria toda a atenção do mundo. Estaria nas estatísticas, teria pedido de oração para conforto e consolo dos familiares, o luto oficial seria por ele também. Tudo isso, não porque o Cris é importante, mas porque é vantajoso. Não haveria comoção porque se importam com ele. Tal qual na série em que as pessoas compram o biscoito não para ajudar o Cris, ninguém se importa com ele, e até iam entrega-lo se a polícia aparecesse No caso do Cristiano da Silva, garçom, dar-se-ia algo parecido. Ninguém se importa com ele. O que interessa é o proveito que advém do biscoito que caiu do caminhão, ou, do acidente que virou convid-19. Tem que usar essa chance de se aparecer. Afinal, não é sempre que vai ter pandemia para se engrossar o discurso da "prudência" e da empatia pelo próximo e ficar bem no filme. A verdade é que vivemos o ápice da hipocrisia. Por isso, a impressão que se passa é que não é pela empatia, mas porque é um bom negócio, pelo proveito. Porque no fundo, "todo mundo odeia o Cris", mas às vezes ele é vantajoso, bem vantajoso.
Hilário o texto, mas, não é que é mesmo? Tenho percebido isso comigo...
ResponderExcluirGrato pela observação. Deus o abençoe ricamente irmão Mario Celso
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